Este caso é baseado em fatos e apresenta como a adesão a lei não é uma obrigação, mas uma postura ética e estratégica.
Após um bom tempo investido em leituras, estudos, cursos e na própria formação universitária, a proposta de uma startup pareceu interessante para John. O objetivo, a ser ainda “afunilado” por processos de incubação, seria, basicamente, o de predizer comportamentos através de mineração de dados e aplicação de machine learning. Ciência de dados e inteligência artificial seria um contexto muito “in” para apresentar a empresa e seus produtos.
Desenho feito, primeiras implementações, ter achado aquele brasileiro que morava no exterior para “desenvolver o código” foi sensacional! A alimentação de dados, por preenchimentos, coletas em mídias sociais, bases públicas, entre outras, prometia e… finalmente… após um período considerável, perfis são evidenciados, as “personas” surgem das bases e começam a ter vida! Os perfis minerados e acompanhados performam comportamentos previsíveis. Chegamos à predição.
Passa um tempo e, como dizem as boas referências, o acúmulo de dados adicionado de um processo gerenciado, permitem a produção de conhecimento qualificado, aplicável.
Eis que surge a oportunidade de dialogar com uma fintech, que também se interessa na predição. Os serviços da fintech estão estacionados, uma vez que a estruturação está consumindo muito tempo dos empreendedores, incluindo a complexa e agressiva gestão financeira. A adição de IA+DM na forma de predição traria competitividade.
As primeiras conversas evoluem bem e surge a oportunidade de investimento! A fintech se propõe a adquirir parte da empresa de John, investindo em modernização tecnológica e expansão. Tudo soa bem. John já pensa em outros mercados, em gerar produtos de sua base e… alguém pede a palavra e questiona: “Os dados que vocês coletaram… estão protegidos e são autorizados, certo? Vocês têm um processo aceito e transparente para lidar com estes dados?”.
Silêncio…
A resposta focada em tecnologia não agrada muito. “Podemos… isso… aquilo”. Surgem propostas de “janelas” pedindo autorização, aplicação de criptografia a posteriori, terceirizar a “proteção”… sem custos associados, sem titulação, responsabilidades.
“Dá um tempo, teremos de reavaliar a proposta”, diz o “fintequeiro”, retirando o cacife da mesa de negociações.
O clima de desorientação toma conta de John, que se lembra de ter ouvido falar da GDPR, LGPD… mas, concentrado em “trabalhar com dados”, jamais se conscientizou que sua proposta empreendedora, sua startup, na realidade, era uma camada de negócios, integrante de um arranjo B2B, como canal ativo, que gera conhecimento a partir de dados de terceiros, melhor dizendo, da propriedade de terceiros.
O recuo das negociações foi fatal – lembro, caso baseado em fatos. A fintech recuou na intenção de predição e, motivada por estas negociações, iniciou um processo com bolsistas de pesquisa, ligado a aplicação de inteligência artificial para seus negócios, sem envolver ainda a mineração dos dados, lidando apenas com seus movimentos próprios. Ainda assim, advocacia foi consultada para monitorar esta frente. Parte do que seria negociado com John, portanto, seria feito internamente, perdendo-se o valor em boa parte do diálogo inicialmente tratado.
Para John, a situação se complicou.
Lidar com dados é essencial nos dias de hoje. Toda a humanidade produz e consome dados.
Conhecimento, em evolução, produzido a partir de dados, é fundamental para decisões, indo desde as mais simples, como as ligadas à posicionamento físico de oferta de produtos, até mais complexas, como de comercializar algo em própria bandeira ou usando pontos de vendas de terceiros.
A oferta de valor depende de processos eficientes de tratamento de dados de mercado.
Mas, finalmente, atingimos a percepção de que os dados pertencem às pessoas, são de seu direito. Sua concessão deve ser clara, as responsabilidades no trato devem ser documentadas e transparentes. A governança é essencial. Não só os “vazamentos”, casos críticos de perda de controle, devem ser cobertos, mas a posse, a definição do enriquecimento e tratamento dos dados e sua transmissão a terceiros, entre outros pontos.
Os códigos legais, entre eles, com destaque, a LGPD – Lei geral de proteção de dados pessoais – foram criados para dar segurança, estabilidade e transferir a postura ética devida à posse de dados pessoais, cada vez mais facilitada pela disponibilidade de tecnologia.
E você, empreendedor? Já sabe, certo, dos produtos dos dados. Mas, sabe como se adequar aos meios legais de obtenção, processamento e produção de resultados com eles?
Lembre-se: seu valuation pode ser descontado, chegando a ser muito reduzido, caso a postura ética e legal não seja refletida nos métodos adotados pela empresa.
Autor: Dr. George Jamil